quarta-feira, 22 de abril de 2009

O Verdadeiro Rolê HARDCORE



“Tocamos no fim do mundo, onde as crianças brincam com o lixo e se arrastam pelo chão”

Sábado. 18 de abril de 2009. São Paulo. O We Still Fight tocaria pela segunda vez na Capital paulista, fazendo dois shows no mesmo dia! O primeiro era no espaço Cicas, na Vila Sabrina/Vila Medeiros. Extrema Zona Norte. O segundo em Interlagos, no Balburdya Pub, ao lado da Represa Guarapiranga. Extrema Zona Sul. Tocaríamos no começo da noite na ZN e depois atravessaríamos a cidade para tocar na madrugada no extremo Sul.
O Hugo (vocal) ta morando em Sampa e foi de ônibus pro espaço Cicas umas 14h. Nós três, eu (guitarra), Alex (baixo) e Edson (batera), resolvemos sair daqui umas 16h, de carro. Metódico como sempre, eu fiz as rotas num guia velho de SP que tenho. Como morei 12 anos na ZN, pelo menos até metade do caminho seria fácil.
Não havia trânsito na estrada, mesmo com o feriado começando. Chegamos rápido em SP, acertei sem querer a ponte que pegaria na Marginal Tietê, passamos na frente do prédio onde eu morei (que parece que não é pintado de 1992... rs) e seguidos para o Cicas.

Chegada
Cicas acho que significa “Centro Independente Cultural Alternativo Social”, ou, como o taxista que nos passou informação de como chegar lá disse, é o “Centro Comunitário”. Até esse taxista falar isso, não fazíamos a mínima idéia do que seria. Esperávamos um barzinho ou mesmo um botecão. Mas aí, ao chegarmos no endereço, não batia com o mapa. Não era uma praça, mas sim um terrenão baldio com um monte de caminhão estacionado, pronto pra fazer carretos. Não era possível ter algo lá. E ninguém fazia a mínima idéia do que era o “Espaço Cicas”. Até que um policial nos orientou a entrar no meio dos prédios CDHU que tinha atrás desses caminhões. Entramos lá e nada do Cicas. Antes disso, um frentista de um posto perto nos passou a “ótima” informação que deveríamos voltar! Mas eu sabia que tava errado (rs)! Até que paramos um taxista e ele explicou: o tal do “Centro Comunitário” ficava exatamente no meio dos prédios! Nisso já tínhamos até chegado em Guarulhos e voltado...
E meu, pra quem mora nessa cidade linda de playboy que nem nós, foi uma choque cultural incrível imaginar que existia um lugar, no meio dos predinhos, onde tava rolando som! Tipo, era uma bocada mesmo, de assustar qualquer frenquentador de danceteria e barzinho!
Paramos o carro, o Hugo nos recebeu e entramos. Logo nos primeiros passos, o Alex, que estava comendo bolacha, foi abordado sutilmente por uma menininha descalça, de vestidinho encardido que disse:
- ME DÁ! – assim do nada, sem nem olhar a cara dele.
Bolachinha doada gentilmente, entramos.

Cicas
Lá dentro, além da galera HC local e do pessoal que veio com as outras bandas, tinha mais umas 30 criancinhas iguais a que “pediu” bolacha pro Alex fazendo todo tipo de zorra: um arrastando o outro no chão pelo pé, brincando de abraçar o lixo, andando de skate em 3 deitados até bater nas canelas do pessoal, imitando as lutinhas do mosh etc. Incrível! Fiquei preocupado, pois como pais deixam crianças num ambiente daquele, livres e soltas? Elas não tinham mais de 6 anos de idade e, claro, tinha gente bebendo por perto (não vi drogas). Sei que não houve nenhum tipo de arruaça maior e que o pessoal lá era total da paz, mas nunca deixaria uma criança sozinha no meio de uma roda de mosh!
Chegamos a tempo de ver o show do Negative Control, que tem uma mina (gata) no vocal e faz um HC Old School bem loko! Vimos também o Teatro Vermelho, nossos brothers aqui do interior e o Retrocesso. Shows muito fodas, com participação devotada da audiência! Vale a pena mesmo a cena HC brasileira!
Como chegamos atrasados devido a nos perdermos, tocamos por último. Começamos umas 20h30 e tocamos apenas 7 sons, uma vez que tínhamos que voar rumo ao Balburdya Pub do outro lado da cidade. Mesmo assim foi foda, pois a galera participou, aplaudiu e eu juro que até vi neguinho cantando “Hardcore é nossa vida”! Isso foi foda! E eu que acho que só eu entro no MySpace da banda...

Atravessando a cidade
Trocamos de roupa (porque 4 caras fedidos e suados dentro de um carro não dá certo, ainda mais esse carro sendo o meu!) colocamos as tralhas no porta-malas e partimos rumo à Zona Sul. Por sorte a Rodovia Fernão Dias estava do lado do Cicas e pegamos ela pra encurtar a chegada na Marginal Tietê. Como eu não conhecia outros caminhos, decidi pegar a 23 de Maio e cruzar São Paulo por ela.
Eis que acabamos de entrar na Avenida do Estado e o Hugo pede, “para o carro, to passando mal.” “Não dá, olha o trânsito!” “Então passa essa sacola aí, que eu vou vomitar!”
E o Hugo se chamou pela primeira vez!
Mais uns minutos e dá-lhe Hugo se chamando de novo na sacolinha de CD da Fnac que servia de lixinho no carro! Dessa vez respingando um pouco no banco do meu carro (já lavei, óbvio) e nas costas do Edson!
Quando entramos na 23 de Maio parei no primeiro posto que tinha, um Select. Fomos todos comer e o Hugo, que estava verde, parecendo um musgo, foi procurar um banheiro pra se levar ou terminar de vez o serviço.
Comemos e fomos para a farmácia que tinha no posto (coisa chique, né? Tinha até uma foto shop no meio) pra ele tomar alguma coisa.
A essa altura eu já tava com medo da mordida que dei no lanche de mortadela vegan que ele comeu antes do show no Cicas...
Na farmácia, o atendente (que não era farmacêutico) recomendou Plasil. Eu sabia que Plasil fazia vomitar mais, pois ele literalmente limpa o estômago da pessoa. Compramos e ele tomou 40 gotas! Não deu nem 5 minutos depois que saímos do posto e o Hugo foi se chamar novamente, mas desta vez numa sacola maior, que o Alex teve a brilhante idéia de pedir no Select.
Parei num estacionamento de uma loja fechada e o Hugo abraçou o pilar pra se chamar mais um tempo. Sim, o negão do WSF ficou branco! Dava dó e, ao mesmo tempo, ânsia de ver e ouvir aquilo! Andamos mais um pouco. Novo posto. Nova Hugo chamando Hugo. E boa! Passamos aeroporto, autódromo de Interlagos e, por incrível que pareça, acertamos o caminho de primeira!

Balburdyando
O tal do Balburdya Pub fica isolado numa rua que não tem casas, só mato. Se você seguir em frente nela, provavelmente chegará da tal da Represa Guarapiranga. Típico bar de beira de estrada no meio da cidade!
O bar é uma mistura do saudoso Blackout, daqui de Indaiatuba, com o Pirata’s Bar, também daqui. Tem um balcão grande, azulejos brancos na parede, vários vinis raros e posters fodas pregados na parede, um banheiro fedido com caipirinha de limão pra desinfetar e um palco muito alto no fundo. O palco é tão alto que se eu pulasse, batia a cabeça no teto!
A galera que frenquenta esse bar é bem segmentada pro metal ou rock clássico. Apesar de estar rolando um Pantera no DVD (com uma tevezinha de 14 polegadas), tinha somente metaleros (eu os chamo assim e foda-se) oitentistas com boné de aba virada pra cima, motoqueiros tiozões com barba por fazer e jaqueta de um moto-clube obscuro, umas minas estranhas, porém simpáticas, e claro, uns bêbados! Até que o bar era ventilado e não me deixou ficar com cheiro de cigarro na roupa!
Apesar disso soar bem negativo, achei o bar bem legal e me senti bem lá. Nossos colegas do Devassa (banda que nos convidou pra tocar lá) falaram que a turma deles, que curte um HC, não foi naquele dia e que as pessoas que estavam lá (e não eram poucas) era o público que vai lá todo sábado!
Vale citar que, por ser no meio do nada, as ruas do bar são palco de uns babacas que adoram judiar dos pneus de seus carros e fazer aquele barulhinho de turbo na troca de marcha! Mesmo com isso sendo assustador, tivemos o sarcástico prazer de ver um desses trouxas dar um cavalo de pau e destruir uma das rodas de sua Strada (aliás, acho que era do pai do moleque) num poste. Foi ridículo eles saírem de guincho sem olhas pro lado do bar por vergonha da cabacisse que aprontaram!

Play motherfucker!
Apesar de chegarmos às 22h30 conforme combinado, só fomos tocar às 0h30, pois dependíamos do ampli do pessoal do Gaia, que atrasou pra chegar (sem problemas nisso, ok?). Essa espera foi ótima pra recuperação do Hugo! Ele passou quase todo esse tempo dormindo no carro após os inúmeros “auto-chamados” no caminho e acordou bem! Tão bem que acho que foi o melhor show dele no WSF!
O show em si foi o mais longo que fizemos, tocando todas as nossas músicas e mais os covers! Apesar de já termos tocado no mesmo dia, parece que esse show não cansou tanto quanto o do Cicas! Foi bem legal, tinha só uns três doidos (um mina inclusa) agitando no som (que nos elogiaram pessoalmente depois, apesar de estarem visivelmente chapados de alguma coisa), mas a galera do bar toda ficou olhando e pareceu curtir! Eu mesmo acho que tocamos demais, que fica cansativo de assistir, mas foi beleza!
Terminamos esgotados. Trocamos de roupa de novo, vimos dois sons do Gaia e fomos embora, pois já estava muito tarde e ainda teríamos São Paulo toda de novo, mais a Bandeirantes pra encarar. Infelizmente na pudemos ver o Devassa tocando!
Na saída do Balburdya, uma neblina incrível que nos permita ver espantosos 30 cm à gente do carro! Foi fodinha dirigir por ruas escuras que você não conhece sem enxergá-las, mas sobrevivemos! Isso sem contar que desviamos um pouco o caminho pra deixar o Hugo na atual casa dele, perto de Santo Amaro! Lugar bonito...rs
Quando saímos da Marginal Pinheiros pra pegar a Bandeirantes, olhei no visor do carro e vi que tínhamos andado exatos 100 km dentro de São Paulo! É mole?! Nem percebemos isso, tamanha apreensão e aventura que foi o rolê!
Na Bandeirantes ainda ficamos meio com o cu na mão. Primeiro com a segunda dose de neblina do role! Sorte que a estrada estava vazia e deu pra guiar sussa, apesar de não ver nada dois metros à frente do carro! Depois era a gasosa do carro que tava no bico do corvo. O primeiro posto que paramos, apesar de aberto e com luzes, estava vazio! Tipo, parecia uma cidade fantasma! Ainda conseguimos chegar a outro posto mais pra frente e acabamos chegando em Indaiatuba 4h30 da manhã, ainda pra comer algo decente e tomar um banho, antes de deitar! Minhas axilas estavam até assadas!
No fim das contas, valeu muito pela experiência, por tocar em dois lugares no mesmo dia, ver duas realidades em dois opostos de uma mesma cidade, dirigir no transito caótico de Sampa com o Hugo se chamando no banco de trás, ver os tipos de pessoas mais exóticos e passar pelas condições mais adversas! “Só falta nevar agora”, bradava o Edson no fim do rolê!
Só faltou isso mesmo...